
Artista de grande envolvimento nos anos 70 com as práticas pós-conceptuais, relacionando de um modo invulgar em Portugal a pesquisa que aliava a fotografia e a sua aplicação ao universo linguístico, Julião Sarmento teria, no início dos anos 80, o protagonismo de liderar um regresso à pintura ainda antes de este assumir o domínio generalizado do mercado e da cena internacional. As suas primeiras experiências neste sentido desenvolvidas consideravam — inspiradas ao mesmo tempo pelo cinema e pela literatura (da ficção à filosofia) —, a junção de pinturas em papel, que constituíam assim uma espécie de mosaico onde o desenho invadia o campo cromático para nos implicar numa sedução narrativa. Aí se identificava desde logo uma adaptação ao campo do exercício pictórico das temáticas do desejo e do erotismo, que vinham já da prática conceptual da década anterior. Dessas composições que o introduziram no plano de uma legitimação internacional, Sarmento evolui para uma fase de deliberada saturação matérica e escurecimento do plano do quadro, que passa então a assumir uma unicidade nova, traduzida numa concentração de meios e soluções combinatórias de onde se mantém apenas uma estreita necessidade de associar a linguagem verbal, pequenas palavras de amplo significado, com o jogo de sedução ficcionado na representação parcial de gestos contidos, tensas sugestões promovidas pelo mistério da sua expressão metonímica, como é o caso de Memória do túnel, onde se percebe o registo iconográfico de uma elegante cabeça de cavalo, desenhada a branco e cinza, em contraste com a densidade negra do fundo, tal como o diagrama de leve matriz antropomórfica que uma segura linearidade coloca em parelha visual, na plano inferior deste quadro-pintura de grandes dimensões. [David Santos]