
Paula Rego teve uma importância incontornável para a arte internacional e portuguesa. Construiu um percurso exemplar nas artes plásticas, pela qualidade e profícua produção que desenvolveu desde a segunda metade do século XX, tornando-se uma das referências mais consistentes da arte moderna e contemporânea.
Intitulada O Impostor, esta pintura a óleo e técnica mista sobre tela, datada de 1964, é representativa do período inicial da atividade da artista, que vai do final da década de 1950 a 1965, fase que corresponde ao desenvolvimento da sua identidade artística e plástica bem como temática. Caracterizada pelo desenvolvimento de formas de criação livres e espontâneas em que apresenta narrativas fragmentadas, povoadas por figuras, recortadas e recompostas, nela, com recurso a diferentes técnicas, a colagem e o recorte, Paula Rego realiza composições dinâmicas entre a pintura e o desenho, construindo uma imagem de valores contrapostos, entre a figuração e a abstração.
Obra de excepcional qualidade plástica, destaca-se igualmente o fundo ético e político que a justifica. Direcionando preferencialmente as suas investigações artísticas para temas e reflexões de âmbito político e social, esta obra testemunha o pensamento crítico e a dimensão satírica que sempre acompanhou o trabalho de Paula Rego, possuindo um vitalismo contestatário que nesta fase tem por referência o exercício ditatorial e abusivo do poder de António Salazar. Na tela surge o registo de uma data, 1928, e nela a artista retrata satiricamente a figura ditatorial e todas as marcas representativas do peso da realidade opressiva, da monstruosidade, da agressividade e dos excessos autoritários e políticos associados à história do regime do Estado Novo.
Se esta obra exemplifica o teor crítico e irónico dos trabalhos que Paula Rego produziu sobre a realidade portuguesa durante a vida política de António de Oliveira Salazar, ela é também significativa por pertencer ao conjunto de obras exibidas na primeira exposição individual em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas Artes. Esta peça, a par de outras obras plasticamente muito ricas aí mostradas publicamente, como Cães de Barcelona (1965), evidencia bem a qualidade e expressividade plástica do trabalho de Paula Rego, e o grande alcance interventivo da sua obra para a afirmação de uma cidadania reconhecidamente interventiva, atuante, participativa e crítica na construção de uma sociedade democrática. [Sandra Vieira Jürgens]
Exposições
1965: Paula Rego, Sociedade Nacional de Belas Artes, Lisboa;
2014: 1961: Ordem e Caos, Casa das Histórias Paula Rego, Cascais, 22 maio – 26 outubro 2014;
2019: Paula Rego: Obedience and Defiance, MK Gallery, Milton Keynes, 15 junho – 22 setembro 2019;
2019: Scottish National Gallery of Modern Art, Edinburgh, 23 novembro 2019 – 19 abril 2020;
2020: Irish Museum of Modern Art, Dublin, 25 maio – 1 novembro 2020;
2022: Paula Rego: The Story of Stories, Pera Museum, Istambul, 23 Dezembro 2022 – 30 abril 2023;
2023: Um foco em Paula Rego, MAC/CCB, Lisboa, 20 junho – 10 setembro 2023;